sexta-feira, 19 de julho de 2013

OS DOCETAS






OS DOCETAS



Docetismo (do grego δοκέω [dokeō], para parecer) é o nome dado a uma doutrina cristã do século II, considerada herética pela Igreja primitiva. Antecedente do Gnosticismo, defendia que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua crucificação teria sido apenas aparente. Não existiam "docetas" enquanto seita ou religião específica, mas como uma corrente de pensamento que atravessou diversos estratos da Igreja Católica Apostólica Romana.



OS DOCETAS DO JESUS FLUÍDICO



Por Liszt Rangel


Nos primórdios do Cristianismo, até que se configurasse definitivamente a formação do Cânon Sagrado no século IV, por meio do Concílio de Niceia muitos foram os cristãos que liam diferentes escrituras e assim compartilhavam de inúmeras crenças acerca de Jesus e de sua doutrina.

Cada grupo tentava levantar a bandeira em nome da verdade e da salvação exclusiva, usando o Nazareno com fins de dominação sobre os pagãos e obtenção de poder junto a Roma. É bem verdade que isto não mudou muito passados dezoito séculos.

Um dos grupos que usava o próprio livro sagrado, diferentemente de outros cristãos, foi o dos docetas. Marcião era fanático por Paulo de Tarso, e chegou a publicar um Cânon contendo 11 livros, dez cartas de Paulo e ainda um evangelho, que se acredita ter sido o de Lucas. Como figura de destaque entre os docetas, o filósofo Marcião tornou-se, em meados do século II D.C., uma verdadeira "pedra no sapato" da Igreja Cristã. Tertuliano e Irineu, bispos da Igreja, não pouparam críticas às ideias deste filósofo influente em Roma, chegando ao ponto de Tertuliano escrever uma obra em cinco volumes, denominada Contra Marcião.

Marcião defendia a ideia de que o Deus dos judeus, Javé, que criou o mundo material e era vingativo e cruel não era o mesmo Deus que criou Jesus e o ofereceu ao mundo. Para Marcião, Jesus não era humano, mas divino, e por isso seu corpo não podia ser feito da mesma matéria que a dos corpos dos pobres mortais terráqueos. Jesus, portanto, segundo a sua teoria, era portador de um corpo quintessenciado, ou seja, fluídico. Sendo assim, ele não teria nascido por vias normais biológicas e sexuais, não sentia frio, nem sede, nem fome, muito menos estava submetido a outros apelos como os fisiológicos, típicos de uma matéria carnal. Jesus também não sentiu dor alguma enquanto foi flagelado e crucificado, ou seja, tudo era apenas aparência.

Em outras palavras, Marcião acreditava que tudo em Jesus era um teatro quando se tratava de confrontar o seu corpo, discutir enfim a natureza do Cristo. Aliás, esta questão sobre a natureza do Cristo levou a inúmeros debates acirrados e conflituosos entre os líderes do Cristianismo nos primeiros tempos, o que acabou por motivar o Concilio Ecumênico de Niceia no século IV. A partir daquela data, estavam determinados os primeiros dogmas da Igreja quanto à origem e a natureza do Cristo, tomando como princípio a Santíssima Trindade, que por sinal é a repetição da trindade universal de outras culturas e civilizações, como a dos egípcios. Também foram definidos os livros considerados sagrados, e todos os que discordassem da Igreja, e que ainda professassem suas doutrinas repletas de heresias, seriam perseguidos, torturados, passados a fio de espada.

Desde o começo da formação dos evangelhos, muitos foram os copistas, e não foi difícil encontrar homens gregos, instruídos, previamente orientados para mudar as escrituras a fim de que estas manipulações pudessem atender aos interesses da então Igreja constituída e formatada. Entretanto, não se pode iludir quanto às manipulações, achando que elas foram realizadas apenas após a formatação do Cânon Sagrado, no século IV. Os sumiços de certas passagens nos evangelhos, bem como as adulterações obedeceram aos caprichos e correntes filosóficas dos diversos grupos cristãos que não se entendiam quanto à essência do pensamento de Jesus, muito menos sobre as questões que envolviam a sua origem.

Os próprios evangelhos estão repletos de passagens que foram acrescentadas e mudadas para que a Igreja respondesse aos ataques dos diversos cristãos tidos como hereges. Uma das passagens está nos atos dos apóstolos, com autoria supostamente atribuída a Lucas, quando ele afirma que Jesus teria passado 40 dias com os discípulos após a ressurreição, porém no Evangelho atribuído ao mesmo Lucas, o apóstolo entra em contradição quando diz que Jesus ascendeu aos céus com corpo e tudo logo após a ressurreição.

Então, ficou ainda algum tempo entre seus amigos, ou foi logo sentar-se à direita do Pai? Em que ou em quem finalmente devemos acreditar? No Lucas dos Atos, ou no Lucas do Evangelho?

O que devemos compreender em verdade é que a simples colocação que Jesus subiu aos céus com corpo, justifica o desaparecimento do mesmo e ainda responde aos docetas, dizendo-lhes: "Ele era de carne, pois assim é preciso para que acreditemos na ressurreição da carne!" Ou seja, a tese do corpo fluídico ameaça inclusive a ideia da salvação cristã, a de que ele veio ao mundo, sofreu e morreu para a redenção da Humanidade.

E sabe o que é mais curioso? É nos dias de hoje alguém lançar uma obra que tenha como finalidade traduzir os Evangelhos e ainda vir a público dizer que a tradução foi feita dos originais em grego. Qual grego?

Quais originais?

Já tive a oportunidade de em meus escritos, quer no blog quer em meus livros revelar uma pesquisa que levou mais de 30 anos para ser divulgada, como fruto de um trabalho cansativo entre exegetas, críticos textuais, teólogos e historiadores, que prova que menos de 10% dos evangelhos, reunindo fatos e ensinamentos pertencem realmente a Jesus. Ao mesmo tempo, mais de 90% é o resultado de manipulações, enxertos, deslocamentos de passagens, acréscimos posteriores e adulterações.

E você ainda acredita em originais dos evangelhos? Com licença... vamos voltar aos docetas, pois isto é mais sério.

No século XIX, na França, apareceu um advogado, o senhor Jean-Baptiste Roustaing, que lançou uma obra, em uma tentativa enlouquecedora de resgatar o movimento dos docetas. Nestes quatro evangelhos, chamados de Revelação da Revelação, ele teria se utilizado de uma médium que se dizia assistida pelos espíritos de Moisés e dos evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João, e que tinham como finalidade reescrever os evangelhos, dando, portanto, a eles o caráter de palavra final sobre Jesus. O livro foi um desastre, mas ainda conseguiu angariar alguns adeptos aqui no Brasil, que tentam por sua vez reviver os dias fantasiosos de um Cristianismo criado por um Cristo Divino, cuja gestação de sua mãe foi apenas psicológica, e que após o seu nascimento, que em verdade foi uma aparição ao lado da mãe, e enquanto ela o amamentava, seu leite era transubstanciado pelos espíritos e devolvido a ela através de seu sangue para que ela não ficasse fraca.

Quanta trabalheira para amamentar uma criança!!!

O menino Jesus, portanto, crescia e seu manto crescia com ele, segundo os adeptos desta crença, e assim tudo em sua vida não passou de mera aparência, pois ele era formado de fluido. Suas lágrimas, seus calos nas mãos por trabalhar com seu pai nas pedreiras de Nazaré, seu sangue, seu suor, sua dor dilacerante no rompimento dos músculos, tendões e nervos com a crucificação, enfim... não sofreu nada, a dor foi apenas moral e o resto foi só para "dar a impressão" que era humano e que sofria.

Bibliografia:

EHRMAN, Bart D. The Apostolic Fathers. Cambridge: Harvard University Press, 2003.

RANGEL, Liszt. O Cristianismo de Yehoshú'a: a busca pelo evangelho perdido. Recife: Bom Livro, 2008.

Sérgio Pereira/Kajaide

Orientador Espiritual

Ano de Obaluaiyê/Nánà/Lonã

“Paz e Bem!”